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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Crítica da Gazeta do Povo sobre a peça Habitué

Caderno G

Terça-feira, 28/09/2010

Divulgação / Habitué discute confronto de um homem (Otávio Linhares) com sua consciência, vivida por Maia Piva
Habitué discute confronto de um homem (Otávio Linhares) com sua consciência, vivida por Maia Piva

opinião

Conversas de bêbado

Publicado em 28/09/2010 | Luciana Romagnolli

Habitué teve uma trajetória curiosa desde que foi escrita por Alexandre França até chegar ao palco do Mini-Guaíra, onde encerrou temporada no domingo, sob a direção do curitibano.

A peça passou por uma transformação, influenciada pelas leituras que o autor fez de dramaturgos contemporâneos, orientadas pelo diretor Roberto Alvim nas atividades do Núcleo de Dramaturgia do Sesi Paraná.

O que antes eram dois personagens a papear no bar, entre garrafas de cerveja, foi repensado como o encontro de um ho­­mem com sua consciência. E essa mudança é apenas uma das ideias de Alvim absorvidas pela obra de França.

A encenação contraria convenções teatrais básicas: deixa a atriz Maia Piva por longo tempo de costas para o público e oculta seu rosto sob uma iluminação mínima até as vésperas do fim. A atmosfera de penumbra, vale lembrar, é característica das mais marcantes na estética do Club Noir, a companhia de Alvim.

Da maneira como essas quebras de regras são feitas por Alexandre França, elas servem para tornar indefinida a identidade da personagem de Maia – por vezes escondida (fundida) detrás do ator Otávio Linhares – e sugerir, sem nomear, que ela representa a consciência dele. Enfim, fazem sentido dentro do que o espetáculo propõe.

Outra escolha um pouco mais ousada do diretor curitibano diz respeito ao uso do espaço e do tempo em Habituê. Volta e meia, Linhares sai de cena, criando momentos de espera. Vai ao banheiro, busca outra garrafa. E o espectador desfruta o silêncio e a ausência, percebendo o ritmo lento e cotidiano da ação.

São experiências como essas, repensando a cena a partir das propostas da peça, que tornam a montagem interessante. E elas poderiam ir mais longe. Por exemplo: se a movimentação de Maia pelo palco é toda planejada de forma a causar estranhamento e condizer com seu papel em relação ao personagem de Linhares, também a voz e o corpo da atriz poderiam ser trabalhados para atingir um estado alterado, próprio da consciência e distinto do ser humano.

O texto faz isso, em alguma medida. Incorpora em sua estrutura o modo próprio do homem se relacionar com sua mente, o que inclui embates, repetições obsessivas e pensamentos circulares. E se refere à personagem de Maia ora no masculino, ora no feminino, uma vez que a consciência abarca os dois gêneros.

Como fez antes em peças como Gina ou em Final do Mês, França se volta novamente para personagens solitários, dependentes e deprimidos que, como na primeira citada, só se comunicam com os outros por telefone.

No caso de Habitué, apresenta um rico decadente e bêbado, contumaz frequentador de bares, de onde evita as relações familiares e as responsabilidades, enquanto se ilude com a nova namorada.

Mais ou menos definido esse universo de interesse do autor, nada favoreceria mais suas obras do que o esforço contínuo de se distanciar do senso comum e encontrar um olhar mais pessoal e singular sobre essas pessoas e sua maneira de se relacionar com o mundo.