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terça-feira, 10 de junho de 2008

Fotos da peça "final do mês" - por Gilson Camargo





Texto do Luiz Felipe Leprevost sobre a peça "final do mês"

Cenas domésticas que somos incapazes de domesticar.
Vicissitudes, parece-me uma palavra adequada para a ocasião.
O que dá pra pensar é se a nossa atuação - dos fazedores de teatro - está vinculada ao teatro municipal, ou se é do teatro municipal, ou se o município ser este aqui é infame destino.
Claro que alguém pode chegar pra você e dizer: - Eu já trabalhei de graça naquele teu projeto.
Claro que você pode chegar assim manso no ouvido dessa pessoa e dizer: - E eu já paguei o teu salário quantas vezes?
Ambos também podem se xingar simultaneamente: - Você é um babaca.
- Não, você é que é um babaca.
A questão é que nunca é de graça, a paga não é dinheiro, isto é uma coisa, a outra é que sem dinheiro tambor não vai, são as complexidades e contradições do ofício.
A peça Final do Mês é sobre isso, mas esta não é a sinopse, quem quiser a sinopse que vá assistir a próxima montagem em agosto no Teatro Municipal, na menor sala dele.
Sim, é texto perfeito o do França, a interpretação sem igual de Claudete e Helena.
Mas a peça é sobre outra coisa além da peça, é sobre um processo nascido da convivência, ninguém ali foi contratado, comprado, ninguém ali inventou um projeto, ninguém ali enganou ninguém fazendo bem feitinha a burocracia, apenas tiveram o desejo de fazer teatro, o França ficou indo lá no Clube Claudete durante meses, bebendo vodca com ela, é o que a gente diz: Quer dirigir a Claudete? Tem que beber vodca com ela. Isso é o mesmo que dizer: - Quer fazer teatro? Tem que se comprometer com uns Exus.
Tá provado, não precisa de frescurada pra fazer teatro, a trupe França, Claudete, Helena e Reka (a iluminadora) pegaram uma sala qualquer no centro da cidade, num hotel antigo e promoveram um belo encontro semanal de pessoas que iam lá ouvir a contundência, não de uma ideologia, pois teatro não é sobre ideologias, mas a de uma estória, já que teatro é sobre estórias.
Hein Claudete?!, pareceu-me sempre que estômagos falam mais alto e reto que pepinos, embora tagarelem e muito a pepinada toda.
Devo avisar: eu sou um dissidente paralisado, assim como a personagem da filha, quem só enxergou uma garotinha mimada e fútil na personagem da filha, então não enxergou nada, não enxergou a sua falta de escolha diante da máquina moedora de esforço humano que está aí fora, contra a qual a garota se insurge sobremaneira, ou você acha que é uma mera piadinha o momento em que ela retorna dizendo ter assaltado um banco? Caralho! Ela assaltou um banco e foi aplaudida, e não poderia ser diferente, ou você está do lado dos banqueiros? Eu não.
Veja o que acabo de ler num ensaio do crítico teatral Kenneth Tynan sobre o trabalho de Bertolt Brecht: Ele “buscava um método pelo qual os processos econômicos pudessem ser efetivamente dramatizados; ele esperava que dinheiro e comida substituíssem um dia o poder e o sexo como temas principais do teatro. Na maioria dos escritores burgueses, disse ele, ‘o fato de o ato de ganhar dinheiro jamais ser objeto de suas obras faz com que suspeitemos que [...] esse seja na verdade o objetivo deles.” Há, evidentemente, certo fatalismo na criação de França, porém não se pode desconsiderar que a conjuntura social e política contemporânea, aliada a observação e reflexão, trouxeram Brecht até nós graças a sensibilidade desse dramaturgo e suas parceiras Claudete e Helena.
Parecia que pra alguns aquelas palavras entravam por um ouvido e saíam pelo outro.
Se é um grande negócio a peça Final do Mês? É.
A sua competência pra ser popular, qualidade rara no dias de tantos gênios contemporâneos, seus diálogos ligeiros, dando saltos velozes do naturalismo para o nonsense.
Não admito que alguém que esteja na frente de um mestre não o reconheça. Então alguém dirá: - Mas um mestre não precisa ser reconhecido. Claro que não, direi eu.
A peça Final do Mês afinal de contas é sobre uma ponte sobre a água, ou um apartamento na palma da mão, ou um navio de carga trazendo maços de cigarros.
O teatro de Alexandre França tem aquela ousadia dos grandes caras do teatro, faz a gente rir de nós mesmos, mostra que as escolhas que nos restam talvez não sejam suficientes, e assim como, sei lá, um Pirandello, que quase nos faz rasgar de tanta gargalhada, Alexandre França não é uma piada, embora colocar uma maçã em cena falando “você quer me comer, você quer me comer!” seja nos restituir o pecado original, de um tempo em que as maçãs, pobres maçãs, nos proibiam o Paraíso. Agora a gente come dinheiro e o Paraíso sempre está um passo em nossa frente, mas nunca o alcançaremos.

Luiz Felipe Leprevost

Ficha técnica
Texto e Direção: Alexandre França
Com Claudete Pereira Jorge e Helena Portela
Trilha: Carlito Birolli e Cauê Menandro - participação especial de Odacir Mazzarolo