O drama entre irmãs em Um Idiota de Presente
Publicado em 19/08/2008 Luciana Romagnolli
“A vida não é feita só de coisas profundas, não. Tem que ter superficialidade, futilidade, senão a gente não agüenta o peso.” A frase é de Heloísa (Ana Régis), personagem criada pela dramaturga Adelia Nicolete para a peça mineira Rubros, apresentada no Fringe 2008.
Mas as mesmas palavras certamente caberiam na fala de Sônia (Helena Portela), uma das protagonistas do espetáculo Um Idiota de Presente, em cartaz atualmente no Mini-Guaíra.
Heloísa se apóia em “muletas contemporâneas” para superar o áspero da vida e se esforça por resgatar a amiga Tereza, ainda que à sua revelia, da depressão e do amargor que a dominaram. De modo semelhante, em Um Idiota de Presente, Sônia se debate contra a visão pessimista e ácida sustentada por sua irmã, Maria (Verônica Rodrigues). As personagens criadas por Alexandre França – que assina o texto e a direção da peça –, porém, são mulheres jovens, sem o amadurecimento que empresta delicadeza e profundidade emocional às protagonistas de Rubros.
O ódio de Maria não encontra justificativa fácil na morte dos seus pais em um acidente: ela não é sofrida, tampouco sensível, mas cruel. Sentada em uma cadeira de rodas por “opção” (ao menos assim o diz, negando qualquer dependência), ela declara que a esperança é uma doença degenerativa e a natureza humana é matar. Sente-se superior por ser mais culta, menos “ingênua”.
São dois pontos de vista antagônicos: a dócil e generosa Sônia, a olhar a vida pelo lado menos doloroso, enquanto a irmã Maria, amargurada, a fere com a desculpa de tentar trazê-la à realidade. Um dos méritos do texto – declaradamente influenciado pela literatura de Dostoievski (Crime e Castigo e O Idiota) e pela filosofia de Nietzsche – é ser crítico em relação ao comportamento de ambas.
Drama encenado em tom realista, o espetáculo se passa em cenário único (a casa das irmãs) e é calcado nos diálogos entre as duas. Sônia vai à rua e volta, mas é Maria quem se desloca em direção à platéia e rompe o ilusionismo. Um momento singular da direção é o uso prolongado de um blecaute para criar a intimidade do ambiente noturno atravessado apenas pelas vozes das duas. Ambas, exemplares de uma geração ainda jovem, individualista e superficial, seja quando assumem a atitude passiva ou crítica.
A platéia de Um Idiota de Presente no domingo (17) se resumia a sete espectadores (com Rubros, não foi diferente). O individualismo parece indispor muita gente à experiência do teatro, que tem como pressuposto o contato (ao menos visual) entre seres de carne e osso. O teatro acaba por se tornar ato de resistência de quem não se contenta em se comunicar com os outros somente por mediações eletrônicas.
Serviço
Um Idiota de Presente. Mini-Guaíra (R. Amintas de Barros, s/n.º), (41) 3315-0979. Quinta-feira a sábado às 19 horas e domingo às 21 horas. R$ 20 (inteira), R$ 15 (bônus) e R$ 10 (meia). Desconto de 50% para portadores do Cartão Teatro Guaíra. Até 31 de agosto.